quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Reforço de pavimentos com geogrelhas

A aplicação de geogrelhas tem trazido benefícios no controle da reflexão das trincas em pavimentos restaurados, em situações em que as técnicas convencionais não oferecem garantias, a menos que envolvam grandes custos. Essa técnica abrange pavimentos aeroportuários, rodoviários, urbanos, pátios de estacionamento, incluindo a restauração de pavimentos rígidos recapeados com camada asfáltica.

O recapeamento asfáltico simples é comumente o método mais usado para a restauração de pavimentos trincados. Porém, o desempenho dessa alternativa de restauração freqüentemente não é tão satisfatório quanto o esperado, visto que as trincas existentes no pavimento antigo podem se propagar pela nova camada asfáltica dentro de um curto período de tempo. Esse problema é tradicionalmente chamado de "reflexão de trincas", sendo uma das principais causas da deterioração prematura do pavimento.

A reflexão das trincas é provocada pela movimentação relativa dos trechos adjacentes às trincas, provocada pelos ciclos de contração e expansão térmica (figura 1a) e de carregamento repetitivo do tráfego (figura 1b, 1c, 1d), ou ainda por uma combinação dessas duas solicitações mecânicas.

Figura 1 - Solicitações mecânicas em um pavimento trincado

Uma variedade de novos materiais e métodos está sendo usada para retardar ou bloquear a reflexão das trincas, tais como o aumento da espessura de recapeamento, a modificação das propriedades da mistura asfáltica e a colocação de uma camada intermediária especial entre o antigo e o novo revestimento asfáltico. Este artigo se propõe a analisar a utilização de geogrelhas poliméricas como camada intermediária em um sistema anti-reflexão de trincas.

Geogrelha polimérica
A geogrelha é um material sintético de elevado módulo de rigidez à tração, com aberturas de malha que garantem uma perfeita interação entre as camadas asfálticas inferior e superior.

Figura 2 - (a) Padrão de trincamento nas vigas sem geogrelha, após 80 mil ciclos de carga; (b) Simulação numérica

Em um pavimento trincado, as extremidades das trincas são as regiões de maior concentração de tensões de tração (figura 2b). Essas tensões são as principais responsáveis pelo fenômeno de propagação (ou reflexão) das trincas. A geogrelha, posicionada sobre a extremidade da trinca, absorve parte das tensões de tração, minimizando o potencial de propagação (figura 3b). A parte remanescente das tensões gera um novo padrão de trincamento de baixa severidade e trajetória relativamente aleatória (figura 3a).

Figura 3 - (a) Padrão de trincamento nas vigas com geogrelha, após 500 mil ciclos de carga; (b) Simulação numérica

Esse mecanismo foi observado em laboratório por meio de ensaios dinâmicos de fadiga desenvolvido no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), em vigas de concreto asfáltico, com e sem a presença da geogrelha como camada intermediária, e comprovado por simulações numéricas (Montestruque, 2002). Nas vigas sem geogrelha, a trinca de reflexão surgiu após poucos ciclos de aplicação de carga. Sua ascensão ocorreu rapidamente e de forma vertical (figura 2). O ensaio foi finalizado com a ruptura das vigas, ao redor de 80 mil ciclos.Nas vigas reforçadas com geogrelha, a ascensão vertical da trinca de reflexão foi interrompida e, após vários ciclos de carga e descarga, um novo padrão de trincamento foi observado: microfissuras foram surgindo de forma aleatória, associadas à própria fadiga da massa asfáltica (figura 3a). O ensaio foi interrompido quando as trincas de menor severidade alcançaram a superfície, ao redor de 500 mil ciclos. Essas vigas, entretanto, ainda não haviam atingido a sua ruptura total, apresentando menores deformações plásticas do que as vigas sem geogrelha. As figuras 2b e 3b mostram as simulações numéricas desses ensaios, onde a cor vermelha indica a região de maior tensão de tração.


Propriedades das geogrelhas para reforço de asfalto
Para que uma geogrelha introduzida nas camadas de pavimento possa conceitualmente cumprir sua função de reforço, é imprescindível que:
Resista aos esforços impostos pelo tráfego dos equipamentos durante a instalação, bem como à temperatura de aplicação da capa asfáltica.
Apresente uma elevada resistência à tração, a fim de absorver parte das tensões de tração no concreto asfáltico.
Possua uma perfeita aderência com as camadas asfálticas, a fim de permitir uma distribuição e transferência de esforços de tração entre a geogrelha e o concreto asfáltico.
Seja resistente à fadiga, ou seja, possa absorver os esforços impostos pelas cargas dinâmicas do tráfego e pelas variações de temperatura, ao longo de toda a vida útil do recapeamento.

Figura 4 - Limpeza manual e mecânica Figura 5 -Aplicação da pintura de ligação na superfície para receber a geogrelha

As matérias-primas mais recomendadas para essa aplicação são o poliéster de alta tenacidade (PET) e o álcool de polivinila, por serem materiais dúcteis, resistentes à fadiga (mantêm suas propriedades mecânicas ao longo do tempo) e que não perdem resistência durante o processo de instalação. A fibra de vidro, por ser um material frágil, perde resistência durante a instalação e apresenta uma vida de fadiga limitada, tornando-se quebradiço após alguns ciclos de carga e descarga. O polipropileno (PP) e o polietileno (PE), por sua vez, podem apresentar problemas durante o lançamento da massa asfáltica com temperaturas superiores a 140oC.

Segundo Rodrigues e Ceratti (Abint, 2004), as geogrelhas poliméricas devem cumprir os seguintes requisitos mínimos:
Resistência à tração: ≥ 50 kN/m para uma deformação ≤ 12 % (NBR 12824).
Resistência à fadiga: ≥ 90 % de resistência retida após 100 mil ciclos carga/descarga.
Relação abertura da malha da geogrelha/diâmetro máximo dos agregados da mistura asfáltica: 2 ≤ d / φmáx ≤ 10.
Ponto de amolecimento > 180oC. Para garantir uma boa aderência com as camadas asfálticas, é importante que as geogrelhas sejam fabricadas com um revestimento betuminoso, compatível com o tipo de asfalto utilizado na obra.Além disso,as geogrelhas podem ser fornecidas com uma manta ultraleve de baixo ponto de fusão, impregnada com material betuminoso, para auxiliar o processo de instalação. Essa manta, entretanto, deve ser suficientemente leve para permitir a interação entre as camadas asfálticas inferior e superior, sem se tornar uma camada de descontinuidade.

Etapas da restauração de pavimento

A restauração de um pavimento pelo sistema de reforço com geogrelha segue, basicamente, os procedimentos normais de uma restauração convencional. A única atividade adicional com relação ao recapeamento simples é desenrolar a bobina da geogrelha (não requer mão-de-obra especializada). Algumas peculiaridades serão descritas a seguir:

Passo 1 : Preparo da superfície
A geogrelha deve ser instalada sempre entre duas camadas de materiais betuminosos (revestimento antigo - camada de reforço). No caso de se ter uma superfície não-betuminosa, esta deve ser coberta com uma camada betuminosa de regularização/ ligação.
A superfície deve ser preparada de modo a garantir a boa adesão entre as camadas subseqüentes de asfalto.
A superfície deve estar seca e limpa.
Trincas de 3 mm ou menos podem ser deixadas sem tratamento.No entanto, trincas maiores devem ser seladas com material betuminoso após a limpeza (figura 4)

Passo 2: Imprimação
A superfície preparada para receber a geogrelha deve ser impregnada com emulsão asfáltica com 70% de asfalto residual, com consumo mínimo de 0,5 l/m2. Para uma emulsão com 60% de asfalto residual, aumentar a taxa de impregnação em 0,1 l/m2. Em situações particulares como superfícies rugosas ou muito danificadas, esses valores devem ser aumentados (figura 5).

Passo 3: Instalação da geogrelha
A geogrelha deve ser desenrolada - diretamente no local definitivo - manualmente ou por equipamentos que não ofereçam risco de danos ao material, sem dobras ou rugas. Para se adequar a áreas com obstáculos ou descontinuidades (tampas de bueiro, por exemplo) a geogrelha pode ser cortada (figura 6).
Para um bom resultado da instalação, é recomendável que a geogrelha não fique exposta ao tráfego até que esteja coberta pela nova camada de asfalto. Caso seja inevitável a abertura do tráfego, deve-se verificar se o recobrimento betuminoso da grelha não foi perdido. Nesse caso, pode ser necessária uma segunda imprimação asfáltica.
Na direção longitudinal da geogrelha, as emendas entre mantas subseqüentes devem apresentar uma sobreposição de 25 cm, levando-se em consideração a direção de aplicação do asfalto para evitar o levantamento da geogrelha nesse ponto (figura 7).
Na direção transversal da geogrelha, para as emendas entre mantas adjacentes, uma sobreposição de 15 cm é suficiente. Caso a sobreposição for maior que 15 cm uma nova regagem com emulsão asfáltica de taxa mínima é recomendada.


Figura 6 - Desenrolamento mecânico e manual da bobina de geogrelha e adequação sobre áreas de descontinuidades


Passo 4: Execução da camada asfáltica
Para a execução da camada de asfalto, devem ser seguidos os procedimentos usuais de pavimentação.
A camada de asfalto sobre a geogrelha deve ser de pelo menos 4,5 cm.
Deve-se evitar que as juntas de pavimentação coincidam com as emendas da geogrelha, quando for o caso.
As máquinas necessárias na execução devem movimentar-se com cuidado sobre a geogrelha, para evitar movimentação do material. Devem ser evitadas freadas e mudanças bruscas de velocidade (figura 8).

Figura 7 - Sobreposição de geogrelha

Figura 8 - Equipamentos sobre a geogrelha na execução da capa asfáltica

Figura 9 - Procedimento de compactação convencional da capa asfáltica

Passo 5: Compactação
A compactação do asfalto reforçado deve seguir o procedimento usual (figura 9 ).

LEIA MAIS
Manual Brasileiro de Geossintéticos.ABINT. São Paulo 2004, págs. 295-319.

Contribuição para a elaboração de método de projeto de restauração de pavimentos asfálticos utilizando geossintéticos em sistemas anti-reflexão de trincas.
Tese de doutorado, Instituto Tecnológico de Aeronáutica. São José dos Campos 2002. G. E. Montestruque.

Guillermo Montestruque engenheiro da Huesker
guillermo@huesker.com.br

Flávio T. Montez diretor da Huesker
flavio@huesker.com.br

http://www.revistatechne.com.br/Edicoes/114/artigo29179-3.asp

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